De escavador de buraco ao ecoturismo: a história do garimpeiro que virou professor em Tepequém


JESSÉ SOUZA
jesseroraima@hotmail.com




Professor Sidinei Veras quer fazer da Cabana do Garimpeiro um ponto de cultura e base do ecoturismo


 

A Serra do Tepequém abriga a história de um dos descendentes de uma família de garimpeiros que, após anos cavando buracos e revirando o solo, em busca de diamante com irmãos e o seu pai, encontrou o caminho da educação e hoje batalha pelo ecoturismo, com projetos voltados a autossustentabilidade.

 Filho de um dos garimpeiros antigos da Serra do Tepequém, Sidinei Veras, 53 anos, seguiu a trilha do pai, Silvio Mota, o “Caboco Silva”, um índio paraense que se notabilizou por andar sempre alinhado e ter conhecimento  incomum aos demais garimpeiros: sabia ler, escrever e as quatro operações da Matemática. Isso sempre foi uma grande deferência em áreas de garimpo, principalmente naquela época quando ele chegou, em 1954.

Desde criança com seus irmãos acompanhando o pai, Sidinei Veras seguiu na dura batalha em busca do diamante até a atividade ser proibida, no final da década de 1990. Mas o destino  o fez mudar de lado: de escavador de buracos, formou-se professor de Física e hoje tem projetos voltados ao ecoturismo, que incluiu um museu para guardar a memória dos garimpeiros e a cultura imaterial desses trabalhadores.

Antes de chegar até aqui, foi um longo caminho percorrido. A grande transformação de sua vida ocorreu quando o único professor da vila desistiu de dar aulas e, em 1995, a comunidade decidiu que Sidinei seria a pessoa ideal para substituí-lo, já que ele sempre tinha vários livros em casa, o que mostrava ser uma “pessoa letrada”, além de morar na localidade, o que era uma grande vantagem, já que todos iam embora por não se adaptarem ao isolamento de uma pacata vila.

Mesmo dizendo que não tinha formação necessária, pois era semianalfabeto, e que nunca tinha dado aula, foi incentivado a aceitar. “Eu repassava o que eu sabia e ensinava as crianças do jeito que eu imaginava que seria”, relembra Sidinei Veras ao frisar que também recebeu desaprovação, especialmente por garimpeiros que diziam que não iriam mandar seus filhos para serem ensinados por um analfabeto.

Ao topar o desafio, não só conseguiu manter-se na vaga, como isso o incentivou a voltar a estudar. Ele prosseguiu os estudos e chegou a fazer o curso técnico de Magistério no Projeto Caimbé, que era ministrado de forma parcelada no período de férias dos professores. Depois conseguiu passar no concurso público, em 2002, para professor de nível médio no Estado e também no Município do Amajari.

Daí foi um passo para conseguir a Licenciatura em Física em uma turma presencial em Boa Vista, de 2006 a 2012. Atualmente está perto de concluir o Mestrado em Física, com graduação para lecionar no ensino superior. Mesmo próximo da aposentadoria, ele disse que pretende chegar ao doutorado. Sua trajetória até aqui é um processo de superação e um exemplo, pois não é comum um garimpeiro se tornar um cientista.

“É pesado, porque as pessoas cobram muito”, afirmou Veras ao fazer um retrospecto de sua vida, que hoje é reconhecido pelo codinome de “professor” na comunidade, não apenas como título pela sua formação, mas pela história de vida em Tepequém que ele conquistou por meio da educação.  

 

Enseada da Anta, um laboratório a céu aberto

Natureza se recompõe após décadas de exploração de diamante


Os projetos do professor Sidnei Veras têm como base uma área de 100 hectares que antes era explorada pela família para garimpar, a Enseada da Anta, atualmente conhecida por sua riqueza de biodiversidade e que pode ser utilizada no turismo científico para pesquisa e observação de espécies da fauna e da flora. Sua família detém a posse dessa área há 32 anos, na entrada para a Cachoeira do Paiva.

Na propriedade, a antiga casa de madeira, que servia como ponto de apoio ao garimpo, foi transformada na Cabana do Garimpeiro, base do projeto em curso que pretende reformar todo o espaço para instalar um museu com objetos, equipamentos, fotos e documentos históricos do garimpo de diamante da Serra do Tepequém. Hoje, no local, são servidas refeições e ofertada área de camping para os turistas.

Mas o turista que for lá já pode ver uma cozinha tradicional garimpeira, feita de pedra, e alguns instrumentos que foram utilizados por antigos garimpeiros, como a suruca (peneira), que faz parte da tralha para catar diamante, usada por Chico Garimpeiro que “bamburrou” (ficar cheio de dinheiro) ao pegar um diamante de 11 quilates.

Cozinha reproduz ambiente sobre como os garimpeiros preparavam suas refeições 

O turista também pode ouvir histórias a partir da peça de um carro de boi utilizado por Fogoió, pioneiro no transporte de cargas e pessoas, no auge do garimpo, quando não havia estrada e esse veículo rústico de tração animal era a única forma de levar cargas para Tepequém.


Cabana do Garimpeiro como ponto de cultura 

Na Cabana já existem alguns utensílios usados no auge do garimpo


Na frente da Cabana foi erguida uma estátua de um garimpeiro, em tamanho natural, para homenagear os primeiros desbravadores de Tepequém, que na década de 1940 foram considerados os primeiros impulsionadores do desenvolvimento que alicerçaram o crescimento de Roraima, antes da chegada do boi.

Segundo o professor Sidnei Veras, a ideia é instalar na Cabana um ponto de cultura de Tepequém, não apenas como um museu, mas também um espaço para reunir ex-garimpeiros e garimpeiros remanescentes para realizar contação de história para a comunidade e os turistas.

A finalidade é resgatar a história e a cultura garimpeira que está muito presente até os dias atuais, uma vez que todos os moradores da Vila do Paiva e Vila Cabo Sobral são remanescentes de antigos garimpeiros ou de garimpeiros que não saíram mais da localidade após o fim do garimpo com maquinário.

 A  legislação permite a atuação do garimpo tradicional e individual, mas Veras frisou que não é favorável ao garimpo ou ao retorno da exploração mineral aos moldes do que era no passado, mas sim do resgate da cultura imaterial que os antigos garimpeiros representam, o que pode ser usado a favor do ecoturismo.

 

Banheiro ecológico e recuperação do meio ambiente

Banheiro ecológico foi copiado do projeto desenvolvido pela Embrapa
 

A Cabana do Garimpeiro desenvolve embriões de projetos de autossustentabilidade e recuperação do meio ambiente severamente agredido pelas quase seis décadas de exploração de diamante, que transformou o meio ambiente e a geografia para sempre, provocando a extinção de inúmeros espécies da fauna e da flora.

Um desses projetos tem como instrumento um banheiro ecológico instalado recentemente, que foi copiado e implementado a partir do projeto da Embrapa chamado Sistema de Saneamento Básico na Área Rural, utilizando a tecnologia da Fossa Séptica Biodigestora.

O banheiro instalado pelo professor usa a tecnologia do trono, cujo vaso é instalado a altura mais elevada, para que os dejetos sejam lançados diretamente, por declive, em três reservatórios conectados, os quais são usados como biodigestores.

Vaso do banheiro é suspenso para facilitar escoamento por declínio


Além de servir como um banheiro alternativo para saneamento rural em um local onde o solo encharca facilmente, devido ao lençol freático muito perto da superfície, esse tipo de banheiro também é utilizado para adubar plantações a partir do substrato extraído ao final do processo da biodigestão.

O substrato que sai do último reservatório é usado para adubar plantios que estão sendo realizados na Cabana, sem agrotóxico, o que significa contribuir para não poluir o meio ambiente. Além disso, a proposta é produzir mudas de árvores nativas para replantio, as quais foram dizimadas de Tepequém pelo garimpo, a exemplo de pau-rainha, aquariquara e cedro.

Substrato que sai no final do processo do banheiro ecológico é usado para adubar plantio 


Sidnei Veras comentou que a proposta maior é construir um planejamento estratégico para retomar o projeto de ecoturismo e, a partir da organização da comunidade, implantar o turismo sustentável, que é a alternativa mais viável para reconstruir o que o garimpo destruiu e impedir que o turismo de massa provoque uma nova degradação.

Outro experimento que está sendo testado é a utilização da energia eólica na Cabana. Bagagem ele tem para isso, pois a tese do seu mestrado em Física é justamente a utilização da energia do vento, cuja popularização e o uso em empreendimentos acabam esbarrando em falta de pesquisa e investimento, segundo ele.

 

 

 

 

 

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