Polvinha, ex-fuzileiro que viveu a época áurea do garimpo em Tepequém

 

 

JESSÉ SOUZA  
jesseroraima@hotmail.com

 

 

Benedito Avelino, o Polvinha, foi fuzileiro das Forças Armadas na década de 1950


Polvinha é como o cearense Benedito Avelino, 84 anos, é conhecido  na comunidade da Serra do Tepequém, localizada no Município do Amajari. Em qualquer garimpo, o apelido é como se fosse um novo batismo de quem chega, uma marca para facilitar a identificação entre muita gente. Mas, na verdade, ele era conhecido pelos garimpeiros da época como Cara de Polva.


“Polva” é uma variação de pólvora na fala simples dos garimpeiros, uma vez que ele trabalhava com dinamite, habilidade que aprendeu ao servir o Exército como fuzileiro, no Ceará, na década de 1950. Devido ao ofício de dinamitar as rochas para facilitar a exploração de diamante, ficaram sequelas em sua face, manchas escuras das pólvoras que atingiam seu rosto, daí o apelido de “Cara de Polva”. Depois ficou apenas “Polvinha”, devido ao seu porte físico apequenado.


Ex-fuzileiro das Forças Armadas, hoje ele é uma figura folclórica na Vila do Paiva, sede de Tepequém, pois não se trata apenas de um testemunho vivo do auge do garimpo, mas uma pessoa de jeito humilde e que é direto nas suas colocações e sincero nas suas respostas. “Não adianta esconder o que você é, porque você vai estar escondendo sua consciência”, justifica a sua contundência algumas vezes quando é questionado.


Com a memória já falhando devido a sua idade avançada, Polvinha relembra com certa dificuldade fatos importantes do garimpo de décadas passadas, como a intensa movimentação da pista de pouso na Vila do Paiva, por onde desembarcavam não apenas alimentos e combustível, mas também diamantários (compradores de diamantes), donos de maquinários e garimpeiros “bamburrados” (que ganharam muito dinheiro), além de mulheres que vinham de outros estados para trabalhar nas noitadas dos bares da Vila Cabo Sobral.


A Vila Cabo Sobral foi a primeira sede de Tepequém, onde se concentrava tudo, principalmente a corrutela (arraial de garimpeiros) com seus bares e todo tipo de comércio. “As mulheres bonitas vinham de avião de São Paulo”, relembrou. Quem não tinha esse privilégio chegava de carroça, no lombo de burro ou a pé, se arrastando nas subidas e descidas íngremes. “Chegavam cheios de carrapato”, comentou Polvinha entre risos de quem viveu esta realidade.

Foto da casa antiga do Povinha, ao estilo garimpeiro de vida humilde (Foto: Arquivo pessoal)


Aliás, mulher é um dos assuntos recorrentes na fala do velho garimpeiro, entre uma narrativa e outra. Ele fala com conhecimento de causa, pois todo dinheiro que ele conseguia com os diamantes foi estourado com mulheres em farras homéricas nos bares da vila e também em Boa Vista, onde tinha a mais antiga corrutela na margem do Rio Branco, o Beiral, uma área no Centro da cidade que foi desapropriada recentemente pela Prefeitura,


“Não me arrependo de nada”, frisou Polvinha ao relembrar suas façanhas realizadas com o dinheiro dos diamantes que ele pegava. Assim como a maioria dos garimpeiros sem muito estudo e sem família em Roraima, Polvinha se viu sem qualquer recurso para se manter depois que os diamantes desapareceram e, finalmente, na década de 2000, quando a exploração mineral com maquinário foi proibida na Serra do Tepequém, sendo permitida apenas a garimpagem artesanal.


Em condições de vulnerabilidade extrema, fazendo carvão com queima de galhos e troncos de árvores aos fundos de sua cabana para se manter, sua rotina era beber cachaça todos os dias, a ponto de cair e ficar dormindo em qualquer lugar, momento quando chegou a ser ignorado como um alcóolatra sem recuperação. Ele só era visto com uma garrafa de cachaça perambulando pela vila.


Mas Polvinha deu a volta por cima, parou de beber, construiu sua casa de alvenaria e hoje recuperou sua dignidade na Serra do Tepequém. Seu único vício é ir no comércio comprar rapadura para comer, hábito nordestino que ele cultiva para ter energia para suas tarefas diárias, como cuidar da plantação e de um galinheiro no quintal de casa.

 

 

Garimpando no fundo do quintal

 

 

Polvinha ainda procura diamantes numa grota que ele está cavando em seu quintal

Na Serra do Tepequém, nem todos podem ser chamados de ex-garimpeiros, já que a garimpagem artesanal é permitida. Polvinha é um deles. Mesmo não passando mais por necessidade e ter uma casa com estrutura para morar, ele ainda garimpa no fundo do quintal de casa, por onde passa um córrego cuja água se avoluma nos períodos de chuva.

 

A nova família dele tem essa garimpagem como uma terapia para ele, pois o peso da idade avançada o faz perder a noção da realidade, ora não se recordando de fatos passados, ora do presente, nem tendo mais certeza de datas. Mas sua mente traz recordações fortes de seu trabalho garimpando, principalmente explodindo rochas ao longo do Igarapé Cabo Sobral, onde se concentrava o forte do garimpo.


Quanto mais a idade avança, mais Polvinha acredita que ainda vive como garimpeiro do passado. Embora tenha um quarto com cama e uma rede atada na área de sua casa, ele construiu uma cabana de lona no chão de terra batida, no quintal, para descansar no horário de meio, como ele fazia por toda sua vida de garimpeiro.

 

Perto da escavação onde ele fez seu garimpo particular, também foi erguida outra cabana feita de madeira, latões e alumínio para escapar de eventuais chuvas, bem ao estilo rústico que alguns garimpeiros antigos mantêm até hoje em suas propriedades.

 

Acampamento para descansar no horário de meio-dia ao estilo do garimpo no passado

Esse cenário o faz lembrar do tempo que chegou para garimpar na Serra do Tepequém, na década de 1960, vindo do Amazonas, depois de passar pelos garimpos de Mato Grosso, onde aprendeu o duro ofício da mineração, logo após ser dispensado das Forças Armadas.

 

Povinha contou que ele era uma das pessoas que armava as dinamites para abrir caminhos a fim de facilitar a garimpagem. Foram várias intervenções ao longo dos igarapés. Ele relembra que um de seus trabalhos foi a destruição de uma barragem de pedras erguida no Igarapé Cabo Sobral, por um dono de maquinário, que queria monopolizar a garimpagem no local. “Era um tapão de pedras que foi derrubado com uma explosão”, relembrou.

 

 

Da seca do Nordeste a fuzileiro

 

 

Uma pasta guarda os documentos que comprovam que foi fuzileiro no Ceará

Na sua memória cansada de uma longa vida de quase oito décadas e meia, Polvinha guarda forte lembrança de quando serviu o Exército, o que o ajudou a escapar da miséria devido à severa seca em sua cidade natal, Massapê, no Ceará, no final de sua adolescência.

 

Depois de passar muita fome na infância e adolescência, na companhia de 12 irmãos, quando seus pais os deixavam em casa para trabalhar em busca do sustento da família, Polvinha disse que saía para pedir comida de casa em casa. Até que um dia bateu na porta de uma professora, que passou a alimentá-lo e a dar instruções básicas para ele e mais três garotos, o que o salvou da fome e do analfabetismo completo.

 

Ao se alistar e ser convocado para o serviço militar, aprendeu a manusear armas e a usar dinamites. O Certificado de Reservista de 1ª Categoria, emitido pelo Ministério da Guerra, mostra que ele foi incorporado no 27º Batalhão de Caçadores, no Ceará, cuja baixa ocorreu em 18.05.1957 como fuzileiro, aos 21 anos de idade.

 

Certificado de Reservista surrado pelo tempo

Polvinha sente orgulho de mostrar a clavícula esquerda com a estrutura óssea acentuada, que ele diz ser uma sequela devido ao “coice” do fuzil durante os treinamentos de tiros quando ele era fuzileiro.

 

Sua lembrança dos tempos do Exército é tão presente que, ao receber um visitante em sua casa, este tem que mostrar que sabe apresentar armas, um ato que ele faz com toda seriedade usando dois cabos de vassoura simbolizando os fuzis. Só depois a pessoa é convidada a sentar à mesa para conversar.

 

O ex-fuzileiro mantém uma pasta com todos os seus documentos, sendo o principal deles o Certificado de Reservista, surrado pelo tempo. Seu pensamento fixo é conseguir provar que é um ex-combatente de guerra, a fim de conseguir uma aposentadoria e assim ter recurso financeiro suficiente para viver sua velhice com tranquilidade até o fim de sua vida.

 

Povinha mostra sequela que ficou de seus treinos com fuzil, no Exército

Mas ninguém sabe se isso é apenas uma criação de sua mente atribulada pela idade ou se realmente um dia ele foi convocado para combater algum levante ou rebelião civil no tempo em que serviu o Exército.

 

Atualmente, sua única renda é o benefício social ao idoso, da Previdência Social, intitulado Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo, além da ajuda de sua enteada que é responsável por cuidar de sua vida.

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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