Moradora cultiva orquídeas e ajuda a preservar espécies nativas de Tepequém

JESSÉ SOUZA
jesseroraima@hotmail.com





Ana Paula produz mudas de orquídeas para vendê-las para turistas e moradores de Tepequém

 

Visitantes desavisados ou mesmo que não respeitam as regras básicas de um passeio turístico em áreas de proteção, que é não levar nada, a não ser fotografias e recordações na memória, estão arrancando orquídeas da Serra do Tepequém a fim de levá-las para casa, o que está provocando o um acelerado desaparecimento das espécies.

É por isso que o turista admirador de flores que for a Tepequém, no Município do Amajari, Norte de Roraima, tem um  motivo muito especial para conhecer uma moradora que cultiva mudas de plantas, especialmente as orquídeas nativas da região. Trata-se de Ana Paula Santos Brasil, de 55 anos, que transformou o quintal de sua casa em um colorido jardim.

Essa orquídea ela ganhou de presente, mas ela faz muda de todas para comercializar

Diante da forte agressão à flora nativa, o papel de Ana Paula passou a ser de fundamental importância para salvar as orquídeas de Tepequém. Não se trata apenas de uma fonte de renda para sustentar a família e de  mais uma atividade econômica gerada em torno do turismo. Ela coleta mudas das orquídeas, sem retirar a planta do seu habitat e sem provocar qualquer dano, para cultivar mudas que são vendidas para os turistas, seja mesmo em forma de mudas ou já desenvolvidas.

Agora o turista não tem mais desculpa para arrancar as plantas a fim de se apropriar como lembrança ou para aumentar a coleção de seu jardim. O quintal da casa de Ana Paula, que fica na rua secundária da Vila do Paiva,  sede atual da Serra do Tepequém, reúne cerca de 50 espécies de orquídeas nativas que foram cultivadas a partir de mudas coletadas de vários locais da região.

Ela também dispõe de outras flores e plantas medicinais, as quais são vendidas não só para os moradores como também para os visitantes. São inúmeras variedades que estão espalhadas em seu imenso quintal, por onde passa um córrego perene que serve de piscina natural para a família e amigos que visitam Tepequém.

Ana Paula tem consciência da importância de sua atividade para ajudar a proteger as orquídeas nativas, por isso, a qualquer reunião comunitária com as autoridades, ela pede apoio para seu empreendimento, que pode ser exemplo para incentivar outras pessoas a também protegerem a flora nativa da Serra do Tepequém, que corre sérios riscos se não for protegida de ações como esta dos que arrancam as plantas como um souvenir. Muita vezes, essas mudas não se adaptam a um novo local e acabam morrendo ou adoecendo, cujo destino final passa a ser o lixo.

Quintal da casa de Ana Paula está repleta de mudas cultivadas por todos os cantos

 Uma das ajudas que a cultivadora precisa é aprender a catalogar as espécies coletadas, com conhecimento de nomes e outras informações sobre essas plantas  que apresentam muitíssimas e variadas formas, cores e tamanhos e existem em todos os continentes, exceto na Antártida.

Ana Paula lembrou que as orquídeas ao longo da trilha rumo ao Platô da Serra do Tepequém é o local onde há mais ações predatórias de quem arranca mudas, cujas espécies estão sumindo dos locais onde há grande fluxo de turistas subindo e descendo nos fins de semana, especialmente nesse período de inverno, quando várias espécies florescem.

 

 

Era apenas uma visita, mas ela acabou ficando


Por estranho que pareça, Ana Paula não gostava de cultivar plantas ao chegar a Tepequém

 

Há 23 anos, Ana Paula chegava à Serra do Tepequém acompanhando uma amiga que havia decidido vender roupas na então isolada Vila do Paiva, cuja estrada de acesso, a RR-203, era na piçarra, ocupada por antigos garimpeiros que foram ficando com o fechamento do garimpo. Mal sabia que ali estava selando seu destino que seria viver em Tepequém, cercada de flores pelo quintal de casa, principalmente orquídeas, sua alternativa de renda para manter a família.

Nascida na comunidade do Caju, no Município do Uiramutá, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e vivendo como doméstica em Boa Vista, seus planos eram conseguir qualquer trabalho em Tepequém, mesmo que fosse de cozinheira. Mas logo ao chegar se deparou com um garimpeiro que lhe ofereceu, de graça, um barraco desocupado que restara do auge da exploração de diamante, já que naquele tempo o garimpo entrou em decadência e muitos já haviam abandonado a localidade.

Logo ela conheceu o então funcionário da Companhia Energética de Roraima (CERR) responsável pelo gerador que fornecia energia elétrica para a vila, Francisco Pereira de Souza, 45, que na época era conhecido  como Neguinho do Motor. O barraco que ela ganhou passou a ser o novo lar do casal, onde os dois vivem até os dias atuais com um casal de filhos.

Ana Paula continuou trabalhando como diarista, mas passou a fazer os cursos oferecidos pela comunidade que tinham a finalidade de incentivar os moradores a terem uma alternativa de renda depois do fim do garimpo. Ela aprendeu a fazer artesanatos de crochê e, logo em seguida, quando foi anunciado um curso de floricultura, não pensou duas vezes ao aceitar o desafio.

“Ninguém queria fazer esse curso”, comentou ao dizer que, pela cultura garimpeira que era muito mais forte naquela época, esse curso era encarado com preconceito pelos homens. “Perguntaram quem acreditava que flor poderia garantir renda para as pessoas. Eu respondi de imediato: ‘Eu acredito!”, prosseguiu Ana Paula ao relembrar alguns comentários preconceituosos.

Mesmo não gostando de plantar flores, ela apostou na inciativa, uma vez que tem uma irmã que é proprietária de uma pousada na comunidade indígena Água Fria, no Uiramutã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que cultiva orquídeas nativas que fazem parte da decoração do local, o que foi decisivo para decidir em apostar na floricultura.

São várias espécies de orquídeas tiradas de mudas coletadas na Serra do Tepequém

Não foi tão difícil assim para Ana Paula passar a gostar de plantar flores, já que a Serra do Tepequém é rica em diversidade de flores silvestres e inúmeras espécies de orquídeas. Ela disse que encontrou um berçário de orquídeas, de onde ela coleta mudas para implementar suas opções para os interessados em comprá-las. Mas ela não revela o local justamente para que as plantas estejam a salvo dos predadores humanos.

Ana Paula gostou tanto da atividade que sua propriedade hoje é muito visitada por quem gosta de jardim. Algumas pousadas enfeitam a fachada de seus estabelecimentos com orquídeas e outras flores cultivadas no jardim de Ana Paula.

O córrego que passa pelo seu quintal já foi reflorestado por ela com mudas de buritis, que depois de duas décadas estão imponentes e que fazem parte do cenário paradisíaco florido em Tepequém. Hoje as palmeiras servem como símbolo de que não gostava de plantas e hoje se orgulha de sua atividade.

“Não é pra todo mundo. Tem que saber conversar com as plantas, não é de qualquer jeito”, afirmou ela ao ensinar seu grande trunfo para sua atividade dar certo. E também não é qualquer um que chega e tira mudas e galhos. Somente ela pode fazer isso. 

Um pé de orquídea nasceu na cerca de madeira na entrada de sua residência

O que era apenas uma alternativa de renda para a família em tempos de desemprego se transformou  numa paixão, que passou a ser brindada pela natureza: uma orquídea nasceu espontaneamente na cerca de madeira em frente de sua casa. 

 

Preparando-se para receber turistas


Viveiro de mudas de flores e um córrego que passa aos fundos de seu quintal

Agora a família de Ana Paula está se preparando para receber turistas. Conhecimento eles já vêm acumulando, pois quando estavam desempregados o marido trabalhou como condutor local. Ela até hoje trabalha como diarista em uma pousada, onde tem adquirido noções sobre como lidar com turistas.

Os planos incluem montar um barracão na extensa área de sua propriedade, que fica aos pés de uma colina, para trabalhar com área de camping.  Esporadicamente ela vende café da manhã para os turistas, quando as pousadas não conseguem atender ao grande volume de visitantes, em um ensaio para atender a demanda do turismo.

O marido dela, conhecido hoje apenas como Neguinho, também faz apresentação para os turistas de como garimpar, exibição esta que é feita no córrego aos fundos de sua casa, onde está sendo adaptada a construção de uma piscina natural.

Pequenas pedras de diamantes foram encontradas no córrego no fundo do quintal de casa

O treino com a suruca (peneira) para realizar as apresentações aos visitantes já reservou gratas surpresas, como o encontro de pequenos diamantes, chamados de “xibiu”, que o casal guarda “para dar sorte”.

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