Garimpeiros artesanais são o Patrimônio Cultural Imaterial de Tepequém
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Legislação permite a garimpagem artesanal e individual que não agrida o meio ambiente |
Junto com ex-garimpeiros que hoje estão em outras atividades e demais moradores tradicionais descendentes dos que primeiro chegaram na região para trabalhar no garimpo, eles representam o Patrimônio Cultural Imaterial de Tepequém, que também podem estar integrados com o desenvolvimento do turismo.
Existem alguns que nunca saíram de Tepequém para morar em outro lugar e que continuam a buscar o brilho do diamante no solo revirado, leitos de igarapés e pequenas grotas por toda serra. Alguns desses garimpeiros não tiveram outra profissão senão procurar diamantes, por isso continuam até hoje trabalhado em locais de antigos garimpos.
Remanescentes do garimpo vendem ‘xibiu’ como souvenir
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Domingos Leite Vieira nunca saiu de Tepequém e ainda vive do garimpo
Filho de um dos garimpeiros antigos, o hoje aposentado Domingos Leite Vieira, 56 anos, que nasceu e nunca saiu de Tepequém, ainda busca sobrevivência na exploração de pequenas pedras de diamantes, chamadas na gíria garimpeira de “xibiu”.
Ele e os irmãos trabalhavam desde criança com o seu pai na Enseada da Anta, que hoje é local de turismo de pesquisa e observação da fauna e flora (assunto para outra matéria). Atualmente, ele tem na garimpagem artesanal sua atividade principal.
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Moradia típica dos garimpeiros remanescentes é mantida na Vila Cabo Sobral |
Boa parte dos garimpeiros que ficaram na serra mantém a forma simples de suas moradias, em construções rústicas, principalmente na Vila Cabo Sobral. Embora boa parte deles tenha aposentadoria ou outro benefício social, vários continuam garimpando artesanalmente, ainda alimentando a esperança de encontrar a “pedra de seus sonhos”.
‘Mato Grosso’, diamante bruto lapidado pela vida
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José Mauro, o “Mato Grosso”, acabou ficando na Vila do Paiva: gosto refinado por artes |
Personagem conhecido na comunidade da Serra do Tepequém, o ex-garimpeiro José Mauro Cruz, 62 anos, o “Mato Grosso”, é um dos que foram para lá garimpar e acabaram ficando na Vila do Paiva, atual sede da localidade.
O quintal de sua casa parece um museu a céu aberto, com veículos antigos e carcaças de maquinário de garimpo transformadas em obras de arte. Apesar da falta de escolaridade, Mato Grosso sempre se faz presentes aos eventos artísticos e culturais, inclusive show de jazz, exposições de artes plásticas e qualquer outro que esteja na vanguarda, além de fazer questão de patrocinar alguns deles.Apesar do apelido, ele nasceu no Ceará, de onde sua família fugiu da seca para Mato Grosso, quando ele tinha 2 anos de idade. Depois de passar garimpando por outros estados, ele chegou a Roraima em 1983, onde passou a explorar minérios em áreas do Município de Uiramutã. Em 1997, ele chegou a Tepequém.
Três anos depois, o garimpo fechou definitivamente. Foi quando ele decidiu se estabelecer na localidade. Morando sozinho, hoje trabalha fornecendo areia e pedra para os moradores e empresários, em sua caminhoneta, além de realizar outros serviços manuais que exigem grande esforço físico.
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Mato Grosso não se esquiva do trabalho pesado para fornecer material de construção |
“Faço coisas que nenhum jovem consegue”, diz Mato Grosso, orgulhando-se do seu vigor físico herdado de toda sua vida dedicada ao trabalho duro do garimpo. Nos fins de semana, nos momentos de folga, é possível encontrá-lo em um dos bares ou restaurante da vila.
‘Passarão’ chegou em busca do sonho de uma picape
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José Aldo, o “Passarão dos cachorros”, tem uma visual privilegiado a partir de sua casa humilde
José Aldo, o “Passarão dos cachorros”, tem uma visual privilegiado a partir de sua casa humilde |
Outro personagem pitoresco de Tepequém é José Aldo de Araújo, 83 anos, conhecido como “Passarão dos cachorros” (a adjetivação é para diferenciar de outros com o mesmo apelido). O codinome que ganhou no garimpo é por causa de sua estatura alta, com pernas grandes, e por ter vários cachorros.
A história dele não difere muito da dos demais nordestinos que vieram para o Norte em busca de melhores condições de vida. O que o fez migrar para a Amazônia foi o seu sonho, na juventude, de ter dinheiro para comprar uma picape C-14 (antecessora da C-10), muito cobiçada antes da década de 1970.
Ao migrar inicialmente para o Estado do Amazonas, foi plantar juta. Ao retornar para sua cidade natal, no Ceará, passou por uma desilusão amorosa de uma paixão não correspondida, ele decidiu vir para Roraima ao ter ouvido sobre a “fofoca” (movimento de garimpeiros) de ouro e diamante.Na década de 1970, Passarão chegou a Tepequém, depois de garimpar na Venezuela, na década de 1960. “Naquele tempo, só havia um morador na Vila Cabo Sobral. Todo mundo ficava num barracão coberto de palha e lona”, relembra.
Embora tenha chegado a “bamburrar” (pegar muito diamante), ele disse que gastou em farras, por isso nunca conseguiu ter a picape de seus sonhos. Hoje vive humildemente, em uma casa simples, de madeira, sem conforto da modernidade como energia elétrica e banheiro.
Citando frases que ele criou ou aprendeu por suas andanças, mesmo sem saber ler e escrever, orgulha-se das experiências vividas e se considera hoje um homem inteligente, pronto para compartilhar o que aprendeu com quem estiver disposto a ouvi-lo.
Com a idade avançada e sem mais nenhum contato com familiares, já aposentado, ele parou de garimpar no final da década de 1990 e começou a criar galinhas e cachorros no quintal de sua casa, de onde se avista o Platô, maior símbolo de Tepequém. Sua imensa barba grisalha, acompanhando a cabeleira, passou a ser sua marca registrada dele na Vila do Paiva e seus visitantes.Passarão disse que seus animais domésticos são sua terapia e que jamais venderia nenhuma de suas galinhas, as quais ele mantém vigília para não serem capturadas por gaviões da serra ou por algum larápio de ocasião. Não se sabe se ele fala assim por brincadeira, já que sua conversa é carregada de humor e enigmas.
E não adianta questioná-lo muito ou desviar a atenção em conversa paralela ao que ela está explanando, pois seu interlocutor é logo interrompido e acusado de não saber ouvir. Passarão gosta de narrar sua história de vida ao primeiro questionamento e parece não querer mais parar de relembrar sua trajetória e de suas frases de efeito que ele mesmo cria.
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